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terça-feira, 5 de julho de 2011

Club Noir abre novas oficinas

Depressões: sobre Juliana Galdino e Herta Müller





A peça Depressões, dirigida por Juliana Galdino, é a primeira adaptação para o teatro brasileiro da obra de Herta Müller, escritora romena e vencedora do Prêmio Nobel de Literatura. A autora de O compromisso e O homem é um faisão sobre a Terra, estreou na literatura com a publicação do pequeno livro Depressões, uma reunião de contos em que se destaca a narrativa de uma menina do campo. Mas o que prevalece na obra de Müller, como enfatiza Ricardo Lísias, é o clima opressivo, presente em cada uma das linhas de seus textos, criado sobretudo através de uma sutil mas bastante habilidosa manipulação da linguagem. A Adaptação de Galdino capta, de modo feroz, esse ambiente opressivo do universo de Müller.

Em um dos pontos altos da peça um esboço de pranto domina a cena quando uma menina une os próprios braços diante do corpo. Murmúrios se misturam às palavras balbuciadas. A atriz narra, com alguma crueldade, as mazelas de um tempo difícil. Não importa o que ela diz. Talvez diga: “Olhamos para dentro da névoa quente, que é pesada e pressiona a tampa da nossa cabeça para dentro. Olhamos para longe de nossa solidão, de nós mesmos, e não suportamos os outros e nem a nós mesmos, e os outros do nosso lado também não suportam”. É a dor que se espalha entre a sombra e o gemido da personagem que incomoda o espectador. Tampouco o rosto da atriz interessa. A expressão facial sôfrega e desesperada perde-se diante da luz ofuscada, da imagem embaçada. É um sonho? Um pesadelo? Não é nada. A montagem de Juliana Galdino é como ouvir um grito de socorro do outro lado do muro, mas é impossível ultrapassá-lo, rompê-lo. Só podemos ficar inertes. Não há nada para fazer.

O teatro de Juliano Galdino, da Cia. Club Noir, fundamenta-se na estranha capacidade de estabelecer uma atmosfera de incômodo, sagaz e subjetiva, difícil de decifrar. Não há nenhuma espécie de discurso ou ideologia a ser disseminada pela palavra. Aliás, não há palavra de ordem. A palavra é o próprio estranhamento do homem que se projeta, do Sísifo que carrega a pedra até o cume da montanha todos os dias. E todos os dias a crueldade minuciosa faz crescer as suas raízes no chão da vida. É na sombra, não na escuridão, que encontramos o pequeno tecido de luz, e é exatamente aí, nesta fresta, que está situado o teatro de Juliana Galdino e Roberto Alvim. Quando, por alguns instantes, podemos observar as cicatrizes espalhadas no corpo.

Por isso, suspeito que o teatro da Cia. Club Noir seja uma variante do absurdo anunciado por Franz Kafka e Albert Camus. A menina de Herta Müller, na adaptação de Galdino, lembra Josef K. aturdido diante do tribunal, da cama inóspita do advogado enfermo, porque o labirinto é incontestável, mesmo quando parecemos crianças felizes.

No início da peça, três jovens atrizes interpretam a menina que narra o conto de Müller. O lirismo da narrativa confunde o espectador. A princípio, defrontamos com uma história supostamente feliz: “As flores lilases ao lado das cercas, o capim enrolado com suas sementes verdes entre os dentes de leite das crianças. (...) O besouro, que entrou em meu ouvido. Meu avô colocava álcool em meu ouvido, para que o besouro não subisse para a minha cabeça. Eu chorava. Minha cabeça zumbia e esquentava. O pátio todo girava e meu avô imenso estava no meio dele e girava junto”. Mas logo descobrimos os traços que mancham o cenário feliz. Até mesmo a leveza do figurino contrasta com a frieza das sombras.

A música é quase uma composição da fala, mistura-se a ela. Porém, é paradoxal. A melancolia da trilha sonora choca-se com o texto narrado e choca-se também com o corpo estático dos atores em cena. O movimento é sobretudo da palavra. O trabalho de voz em Depressões difere em muito dos outros trabalhos. Nessa montagem, a voz aparece menos impostada. Mas o que, de fato, move a encenação é a luz opaca e esquiva, característica da Cia. Club Noir.

O encontro de Juliana Galdino com a obra de Herta Müller resultou num trabalho minucioso, em que estranhamento, crueldade e certo lirismo compõem uma das melhores montagens do Projeto Mostra Paralela, que reúne novos atores nesse proeminente grupo de teatro brasileiro.


Serviço

Depressões

Texto: Herta Müller

Adaptação e direção: Juliana Galdino

Onde: Club Noir – São Paulo, SP

Adaptações: Sábados, às 21h e domingos, às 20h

Club Noir no FIT (Festival Internacional de teatro


Do dia 09 ao dia 14 de Julho a Cia Club Noir estará no FIT (Festival Internacional de Teatro) em São José do Rio Preto. Serão duas apresentações de cada espetáculo que compõe o TRÍPTICO RICHARD MAXWELL: BURGER KING/ CASA/ O FIM DA REALIDADE.

Confira a programação do Club Noir no FIT aqui


Sobre o FIT
O FIT – Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto chega à sua 11ª edição reconhecido como uma das maiores manifestações culturais do país. O evento, que neste ano será realizado de 7 a 16 de julho, é um dos cinco maiores festivais de teatro do Brasil, e traz em sua grade de programação espetáculos locais, nacionais, infantis, internacionais e de rua.

Seguindo a tendência de levantar as diversas questões do teatro contemporâneo, os espetáculos apresentados este ano estão pautados no teatro como problematização do mundo, em que revelam-se processos artísticos de apropriação de outros processos. As peças retratam a maneira de como os diretores investigam e processam a realidade atual e a desenvolve no plano ficcional.

Nesta edição, o município de São José do Rio Preto será palco de 39 espetáculos, sendo 12 nacionais, dez locais, seis infantis, seis de rua e cinco internacionais. Ao todo, são 102 apresentações que invadirão os teatros, espaços alternativos e ruas da cidade.

O 11º FIT é apresentado pelo Ministério da Cultura e Petrobras, com apoio do ProAC e SESI, patrocínio da Caixa Econômica Federal e Bebidas Poty, e realização da Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto, SESC-SP e Governo do Estado de São Paulo.

Psychopathia Sexualis. Fotos de Bob Sousa