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sexta-feira, 18 de março de 2011

O Estado de São Paulo: Roberto Alvim visita clássico de Collodi.

Do site: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110317/not_imp692968,0.php

Maria Eugênia de Menezes - O Estado de S.Paulo

Inventar o futuro. Parece ser essa a ambição a nortear a criação do diretor Roberto Alvim. A concepção de uma cena que dê conta do contemporâneo não apenas em seus procedimentos e formas. Que não se restrinja às propaladas desconstruções ou sistemas pós-dramáticos. Em Pinokio, novo espetáculo da Cia. Club Noir que estreia hoje, Alvim lança-se em um território que pretende exceder o drama, extrapolar o teatro. Sem meneios, declara a intenção de nos apresentar um instantâneo do que seria um novo homem, uma humanidade para além do humano.

Edson Kumasaka/Divulgação
Edson Kumasaka/Divulgação
Invenção. Peça utiliza linguagem repleta de neologismos para tratar de um ser formado por pedaços de corpos e de objetos

Não são modestas as intenções do encenador. Depois de mergulhar na obra do norte-americano Richard Maxwell para compor Tríptico - um conjunto de três peças levado ao cartaz em 2010 -, Alvim volta-se agora a um texto de lavra própria. Debruçado sobre a fábula clássica de Carlo Collodi, visita a história do boneco transformado em menino para trilhar um percurso às avessas. Neste Pinokio, são os homens que passam pela experiência de tornar-se outra coisa, uma espécie de máquina surgida da sobreposição de pedaços de corpos e de objetos.

Na contramão de qualquer apego a uma suposta essência humana, o diretor demonstra-se devoto de uma ideia de identidade que não precisaria ser descoberta, mas forjada. "Existe uma recusa a essa máxima de "conhece-te a ti mesmo". A luta é por encontrar não dentro de nós, mas fora de nós, em outras paisagens, a ideia de humanidade."

Novas maneiras de existir e habitar o mundo demandam também uma nova linguagem. Para erigir o seu drama não dramático, Alvim dispõe de uma língua reinventada. Eivada de neologismos e construções sintáticas inusuais, a peça transporta o espectador a um lugar desconfortável, onde não é possível seguir a semântica do que está sendo dito.

A ambição, que resvala na proposta de precursores como o dramaturgo francês Valère Novarina, é a de criação de uma estrutura em que nada precisa ser necessariamente compreendido. Entra em derrocada a noção de entendimento, desponta a de experimentação.

Se o intuito que atravessa Pinokio é atingir o público em seus sentidos, isso não o torna menos cerebral. Ainda que Alvim não alardeie suas referências, é difícil não vislumbrar na sua ficção rastros e desdobramentos das proposições de filósofos, como Gilles Deleuze. Transversalmente, surgem evocações a conceitos cunhados pelo autor de Mil Platôs, como "linhas de fuga", "rizoma" ou "máquina desejante".

A transposição do texto à cena sugere uma continuidade do projeto estético no qual a Cia. Club Noir persevera desde sua criação, em 2008. Assim como nas montagens anteriores, será possível antever a marca de uma encenação minimalista: a luz rarefeita, a cenografia que tende ao abstrato, a elocução lenta, em que a palavra encontra relevos inesperados. Todos esses traços, porém, teriam atingido agora certo paroxismo.

Radicalizados ao extremo, o imobilismo e a propensão à escuridão levaram o grupo a um lugar praticamente sem saída. "É como se tivéssemos forçado esse sistema a um ponto que decreta a sua morte. Não tenho a menor ideia de para onde vamos depois deste trabalho, nem se é possível continuar a fazer peças." Talvez no teatro, como na vida, render-se ao desconhecido seja um risco que valha a pena correr.

PINOKIO
Club Noir. Rua Augusta, 331, telefone 3255-8448. 5ª a sáb., às 21 h; dom., às 20 h. R$ 10. Até 15/5.



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