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quinta-feira, 6 de maio de 2010

E o príncipe da Dinamarca foi parar na UTI...

Do site http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100506/not_imp547580,0.php

Crítica: César Augusto - O Estado de S.Paulo
BOM

H.A.M.L.E.T., de Roberto Alvim e direção de Juliana Galdino, no Club Noir, propõe diálogo com Hamlet Machine, de Heiner Müller e, consequentemente, Hamlet, de Shakespeare. Mas se engana quem espera um diálogo subalterno aos cânones.

A intertextualidade e a desconstrução são ferramentas já conhecidas daquilo que se convencionou chamar de pós-modernidade, seja como desdobramento ou ação iconoclasta em relação à modernidade. Se o Hamlet shakespeariano tem o vigor de quem tece a trama da própria tragédia e o Hamlet mülleriano se arrasta sobre ruínas da Europa, porque não é mais quem foi - estabelecendo através de um diálogo com os mortos uma visão crítica da realidade -, o Hamlet (Renato Forner) de Alvim e Galdino está na UTI, doente e confuso, questionando a noção de aplicação de valor. Não tem vigor, está impotente, em seu "palácio-hospital", diante da não arbitrariedade de qualquer ato, seu ou dos pares. Nesse sentido, ainda que a vida seja "O resultado do sonho / O sonho mesmo/De um outro/um sonho alheio", restam pulsões que precedem convenções. Nesse caso, Eros e Tânatos, Amor e Morte. Ainda que este Hamlet e os que o circundam estejam anestesiados, porque parecem acordar todo dia respirando por aparelho sem nem se dar conta disso, eles têm de lidar com essas pulsões o tempo todo, o que provoca nas relações entre os personagens uma tensão entre a vontade e a ação. Mesmo matando alguns dos que estão ao seu redor, inclusive depois a própria mãe, e sucumbindo ao desejo de copular com ela - o que nem chega a se realizar - numa vã tentativa de retorno ao útero, como alívio à tensão entre pulsões e convenções, não se resolve o dilema, porque este Hamlet é impotente.

Juliana, em sua primeira direção, entende o texto e segue a predileção de Alvim. Usa referências de Bob Wilson e David Linch apenas para se colocar, de acordo com a definição para desconstrução de Leyla Perrone-Moisés, "em dúvida", "em movimento", em "re-pensamento", através de uma auto-ironia paródica. Há dois momentos em que este recurso é vertical: na cena em que os atores tentam adivinhar a pergunta "qual é a questão?" e quando se pede para a plateia imaginar o horror da cena da morte do pai de Hamlet, num blackout.

Prosódia. Juliana parece propor um abismo, "a essencial novidade psíquica do poema", segundo Bachelard, em cada fonema da prosódia dos atores. Porém, se o som da palavra emitida pode provocar uma sensação qualquer na plateia, parece que, de acordo com a proposta, isto não pode ser imposto por ele. Parece que o som deve deixar espaços incompletos, preenchidos ou não, a posteriori ou imediatamente, pelo público. E isso às vezes não acontece, porque em algumas oportunidades a fala sai de maneira impositiva, subjugando os personagens e a plateia, concorrendo com a ironia e a paródia do próprio espetáculo. É provável que esse entendimento venha com o tempo. Importa menos o resultado e mais o caminho proposto.

Então, qual é a questão? O único ato de vontade possível é dar fim à própria vida? É o suicídio? Uma vez que se é refém das circunstâncias internas e externas que podem moldar a todos? Não seria o suicídio também resultado disso? O final da peça parece deixar uma fresta, uma porta entreaberta que, se não responde às questões, evoca e pede reflexão não "sobre", mas "como" é possível viver.

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